Sobre Ruy Fausto: para não precisar mais falar a respeito.

RuyFaustoInfelizmente se tornou comum, hoje em dia, filósofos e pensadores “atropelarem” rapidamente a base, a raiz de suas lógicas para poder então se colocar rapidamente no corpo de suas teorias aonde, é claro, passam a ser mestres do seu próprio pensamento. Por isso, antes de entrar nos detalhes das elocubrações de Ruy Fausto sobre uma “pós-grande indústria” qualquer, acho relevante demonstrar as bases que ele se utiliza para chegar a esta lógica e, já dentro destas bases, expôr as contradições que existem dentro do seu próprio discurso.

Já no começo do livro “Marx: Lógica e Política” Tomo III, Fausto coloca as idéias que o levarão mais tarde, neste mesmo volume, à escrever sua teoria da “pós-grande indústria”. Tentando aos poucos permear os pensamentos de Marx com a vontade que tem em distorcê-lo para poder validar suas teorias no próprio Marx, Fausto vai, pouco á pouco, torcendo as palavras de Marx para, no final, acharmos óbvio o que ele diz. Mas não é. Vamos dar uma olhada.

As relações entre o homem e a natureza, e entre o homem individual e a espécie humana estão pressupostos e não postos no discurso de maturidade de Marx. O que significa que eles ficam fora do discurso de ordem propriamente científica, e, objetivamente, que eles antes constituem o “fundo” da história – ou da pré-história – do que são propriamente elementos constitutivos dela. Refiro-me, bem entendido, à natureza como conjunto dos objetos naturais, que têm como outro a espécie humana; e à relação dessa espécie em conjunto, como cada homem individual. (Rui Fausto “Marx: Lógica e Política” Tomo III pp. 23-24)

Antes de analisarmos este texto, que é a referência à sua idéia da pós-grande indústria, vamos ver como Fausto, já ao analisar a Ideologia alemã, é extremamente tendencioso a uma idéia de “eventos” que acontecem por sí só, onde o homem é subtraído da sua própria história. No fundo, em suas análises de Marx, ele sutilmente vai extraíndo o ser-humano da enorme relevância que este tem para Marx para que, no final, possa validar sua teoria da pós-grande indústria. Assim, iremos nós também, pouco a pouco, lá aonde Fausto extrai o ser-humano da história, devolvê-lo, não pela nossa visão, mas pela de Marx.

Sobre a Ideologia alemã Fausto escreve: “Assim, o dado fundamental é menos a subordinação de certos indivíduos a outros indivíduos, do que a de todos a uma potência autonomizada”. (Rui Fausto “Marx: Lógica e Política” Tomo III pp. 101). Já começando aqui com sua vontade de fazer de algo “fora” do ser-humano, no caso “uma potência autonomizada”, o “dado fundamental”, ele traduz Marx do alemão da seguinte forma:

Nota do Ruy Fausto:
A potência social, isto é, a força de produção multiplicada, que aparece através do esforço combinado (Zusammenwirken) de diferentes indivíduos, não como a sua pŕopria força unida, mas como um poder estranho que nasce fora deles, o qual eles não sabem nem de onde [vem] nem para onde [vai], que eles, assim, não podem mais dominar, [e] que, pelo contrário, percorre agora uma série de fases e graus de desenvolvimento sucessivos, independente do querer e do agir (laufen) dos homens, dirigindo, agora, mesmo este querer e agir” (Marx-Engels, Werke, Berlin, Dietz Verlag. 3 Pag.34)

Marx no original:

Die soziale Macht, d.h. die vervielfachte Produktionskraft, die durch das in der Teilung der Arbeit bedingte Zusammenwirken der verschiedenen Individuen entsteht, erscheint diesen Individuen, weil das Zusammenwirken selbst nicht freiwillig, sondern naturwüchsig ist, nicht als ihre eigne, vereinte Macht, sondern als eine fremde, außer ihnen stehende Gewalt, von der sie nicht wissen woher und wohin, die sie also nicht mehr beherrschen können, die im Gegenteil nun eine eigentümliche, vom Wollen und Laufen der Menschen unabhängige, ja dies Wollen und Laufen erst dirigierende Reihenfolge von Phasen und Entwicklungsstufen durchläuft.” (Marx-Engels, Werke, Berlin, Dietz Verlag. 3 Pag.34)

A primeira coisa que salta aos olhos diretamente é a, por “coincidência” ou não, mal tradução do texto de Marx exatamente nos pontos mais relevantes para a a lógica que Fausto quer desenvolver. Em seu texto, Fausto coloca “indivíduo” como uma negatividade que simplesmente “sofre” a história e não é parte ativa dela e, o que me parece incrível, é que ele cita Marx para fazê-lo. Porém, não só Marx o desmente como, acho que, ele mesmo.

Fausto traduz Marx dizendo que a “potência social” aparece como um “poder estranho que nasce fora deles” e dá a entender que é inerente do “homem individual e [d]a espécie humana” esta incapacidade de serem “elementos constitutivos” da história, fazendo assim da espécie humana um elemento negativo em sí e para a história, lógica esta que será o apoio dele para seus próximos argumentos e chegar a um “pós-grande indústria”. Muito bem, parece lógico. Porém, o que escreve Marx é bem diferente!

Mais do que claro está descrito no texto de Marx que é apenas quando a “Zusammenwirken (que bem traduzido seria algo como “fazer efeito em conjunto” mas vou utilizar “cooperação” que é a tradução mais corrente), ou seja, “é apenas quando a cooperação não é voluntária (nicht freiwilig), imposta e não de livre e espontânea vontade (uma parte do texto de Marx que Fausto “esqueceu” de traduzir!) é que a potência social aparece aos indivíduos que fazem parte desta cooperação como uma “estranha (a eles!) violência que se encontra fora deles” (eine fremde, außer ihnen stehende Gewalt)!!!!

No texto de Marx está mais do que claro que não é o “homem individual e a espécie humana” que não são capazes de produzir história como positividades ativas ou que os é inerente estar no “fundo da história”. Para Marx é exatamente e somente a partir da imposição violenta ao ser-humano das formas de produção capitalistas que ele se aliena e desaparece como ator ativo da história. Não há, para Marx, negatividade alguma na espécie humana ou idéia de que ela seja apenas o “fundo da história”, nem na Ideologia Alemã nem nos Grundrisse (nem no “bom” ou “mau” Marx, para Fausto), mas sim que isto acontece por causa da forma que rege a “cooperação” na “potência social” imposta pelo capitalismo, por esta forma não ser voluntária, por esta forma estar “fora” dele (ser-humano) e sê-lo imposto pela “violência” (Gewalt), por esta forma “não ser a sua (nicht als ihre eigne) mas permeia o querer e andar [próprio] que antes dirigia o desenrolar das fases e das etapas de desenvolvimento”. Eis a tradução correta para este fim de parágrafo onde fica mais do que claro que sim, até o momento que as formas de produção capitalista agem sobre o “esforço em conjunto”, a cooperação de trabalhadores, até este momento e fora deste momento, existe sim o querer e andar [próprio] que [dirige] o desenrolar das fases e das etapas de desenvolvimento. Este “ser” que Fausto inventa ao qual o indivíduo é subordinado, esta “potência autonomizada”, não tem absolutamente nada de “autônomo”, não há “potência autônoma” pois a potência depende diretamente da ação do ser-humano! Ou seja, que o “homem individual e a espécie humama” são sim atores ativos da sua própria história, positivos, e é apenas no momento em que são submetidos violentamente às formas de produção capitalista é que esta positividade lhes é roubada.

Além do que, o próprio Fausto nos convida a ler este texto de Marx que, apenas 4 pág. depois escreve :

daß nicht die Kritik, sondern die Revolution die treibende Kraft der Geschichte auch der Religion, Philosophie und sonstigen Theorie ist. Sie zeigt, daß die Geschichte nicht damit endigt, sich ins “Selbstbewußtsein” als “Geist vom Geist” aufzulösen, sondern daß in ihr auf jeder Stufe ein materielles Resultat, eine Summe von Produktionskräften, ein historisch geschaffnes Verhältnis zur Natur und der Individuen zueinander sich vorfindet, die jeder Generation von ihrer Vorgängerin überliefert wird, eine Masse von Produktivkräften, Kapitalien und Umständen, die zwar einerseits von der neuen Generation modifiziert wird, ihr aber auch andrerseits ihre eignen Lebensbedingungen vorschreibt und ihr eine bestimmte Entwicklung, einen speziellen Charakter gibt – daß also die Umstände ebensosehr die Menschen, wie die Menschen die Umstände machen. (Marx-Engels, Werke, Berlin, Dietz Verlag. 3 Pag.38)

Ora, se o “homem individual e a espécie humana “ não são “propriamente elementos constitutivos” da história, então porque é que o próprio Ruy Fausto nos convida a ler em Marx que “a revolução é a força motora da História”, e, me parece, que “revolução” só pode existir através do ser-humano exatamente como “elemento constitutivo” da história! Depois, continua Marx, que “a história não se resume em uma “conciência” de um “espírito do espírito” pois em cada etapa se encontra um resultado material, uma soma das forças de produção, uma relação criada historicamente com a natureza e com os indivíduos entre eles, que é passada para cada geração seguinte; uma massa de forças produtivas, capitais e situações que, por um lado, são modificadas pelas novas gerações, mas também, por outro lado, lhes (às novas gerações) impõe sua própria condição de vida e lhes dá uma evolução própria e um caráter especial”. Bem, como é que aqueles que, para Ruy Fausto, “constituem o fundo da história” são capazes, segundo Marx, de “modificar” a história? Não há como: ou Ruy Fausto ou Marx. E para não deixar dúvidas que as afirmações de Fausto nada tem a ver com Marx, no fim da frase de Marx ele escreve: “isto quer dizer que tanto as situações formam as pessoas como as pessoas formam as situações”. E não há dúvidas!

Já na análise de Fausto da “Ideologia Alemã” vemos o quão tendencioso (e equivocado) Fausto é para poder, aos poucos, ir incutindo a idéia que, em alguma momento qualquer do pensamento de Marx, existe a possibilidade de “eventos” que façam a história independentes do ser-humano. Porém, não vamos partir da má-fé que estes “equívocos” são voluntários e vamos simplesmente dizer que ele não conhece alemão o suficiente para ter lido Marx em alemão e, por isso, se equivoca da forma que se equivoca. Portanto, em “Marx: Lógica e Política” do Ruy Fausto, me parece que, por questões linguísticas ou não, o lado “Marx” não está bem entendido pelo autor e, à partir disto, mas não só, a “Lógica” não funciona! Resta talvez a política…

Fausto continua:

Ora, o desenvolvimento das técnicas de destruição, assim como a exploração de energias e técnicas com fins pacíficos mas potencialmente perigosas, alterou a situação. Ultrapassou-se o limite de uma certa utilização dos meios de produção e de destruição.”

É verdade que uma certa geração de pessoas, após a segunda guerra mundial, tanto se assustou com a utilização da bomba atômica e seus efeitos devastadores que governos, rapidamente, viram que “a bomba” não era apenas um poder bélico “útil”, mas que, principalmente, o medo dela e o fetiche por ela eram formas perfeitas para exacerbar a alienação e difundir a ideologia.
E daí veio novamente mais um destes “eventos” isolados que, pela visão de Ruy Fausto, de outros teóricos e da ideologia, teria mudado completamente a história.
E o prezado leitor vai se perguntar: “o que? A bomba atômica mudou completamente as minhas relações humanas, sociais, de trabalho e a forma de exploração do capital? O que é que esta bomba tem a ver com a minha vida?

E novamente na análise que Fausto faz da Ideologia Alemã, ela nos mostra citando Marx, exatamente os argumentos necessários contra este seu pensamento que ele escreve aqui. Na pág 102 nota 34 ele escreve: “ver texto e notas sobre os “conceitos dominantes”, Deutsche Ideologie, pp 46-47”.

E eu vi!

É claro que, conhecendo os problemas linguísticos do autor fica difícil saber o que ele entendeu do que leu pois, desta vez, ele não escreveu “sua tradução”. Porém, já que ele nos pediu para ver, vamos então ver como Marx, exatamente neste texto, diz ao autor que esta idéia de fazer de um evento isolado e dos pensamentos que partem daí, que fazer de uma produção intelectual, da qual as invenções fazem parte e suas possibilidades teóricas, o fio condutor da história, uma vez que estes são construídos e só relevantes pela e para as classes dominantes, é “pura imaginação”! Além do que, vamos ver como Marx chama estes “pensadores” que não se baseiam nas produções culturais da maioria e sim apenas das classes dominantes, de “Ideólogos” que são apenas capazes de construir ou analizar uma “história de pensamentos vazios”. Vamos lá:

Marx escreve:

Die Gedanken der herrschenden Klasse sind in jeder Epoche die herrschenden Gedanken, d.h. die Klasse, welche die herrschende materielle Macht der Gesellschaft ist, ist zugleich ihre herrschende geistige Macht. (Deutsch Ideologie pag 46)”

Os pensamentos das classes dominantes são, em cada época, os pensamentos dominantes. Isto quer dizer, a classe que é o poder material dominante da sociedade é também o seu poder intelectual

Talvez Fausto tenha parado a sua leitura por aí para poder afirmar que as construções intelectuais da classe dominante, da qual ele faz parte, são o “motor” da história.

Porém, Marx o desmente diretamente dizendo que, “os pensamentos dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, a tradução em pensamentos das relações materiais dominantes. Ou seja, a relação que faz de uma classe a dominante, ou seja, o pensamento da sua dominação” (idem) e que, este pensamento é simples fruto “dos Ideólogos conceptuais ativos que fazem do aprendizado da ilusão, desta classe (dominante) sobre sí própria, a sua principal fonte de alimento” idem, pág 46). Marx diz que “é pura imaginação da classe dominante” achar que os conceitos que ela inventou (e inventa) durante a história são os conceitos reais que dominam cada época, (idem, pág.47) e como os filósofos, ao separar os pensamentos dos indivíduos e suas relações empíricas, que servem como base a estes pensamentos, podem criar um desenvolvimento e uma história do pensamento vazio” (idem, pág 312).
Para Marx é óbvio que “a produção das idéias, das noções, da conciência são, antes de tudo, diretamente baseadas na atividade material e na mobilidade material do ser-humano; linguagem da vida real”. (idem pág 26). É esta “linguagem da vida real” que cria a história e cria o conhecimento capaz de analisá-la fora da ideologia pois “não é a consciência que define a vida mas a vida que define a consciência” (idem, pág. 27). Além do que, se assim não fosse e fatos isolados da realidade cotidiana da sociedade mundial pudessem trazer quaisquer mudanças para a história desta sociedade, então Marx também não teria escrito que a história “é a história da luta de classes”! Somente da palavra “luta” já podemos discernir que o ser-humano é o agente, o ator, o “constitutivo” principal da história (ao lado da Natureza, para Marx) e que, além disto, é desta luta que é feita a história e não de qualquer outra, com ou sem bomba!

Para Marx, é mais do que claro e enfatizado que, analisar a história do ponto de vista da produção intelectual da classe dominante, é pura ideologia e mais nada!!!

Continuando Ruy Fausto:

No momento em que grandes massas humanas estão ameaçadas por técnicas de produção ou de destruição (criadas pela classe dominante), passamos a uma outra idade histórica (impossível para Marx – pura ideologia), em que o homem – a espécie humana – e a Natureza não são mais pressuposições (sempre foram e sempre serão, como já vimos acima). Homem e natureza vieram a ser postos pela história (impossível pois a história é, e nada mais do que isto, a história do Homem e da Natureza! E se a história “põe” o homem, se a história é uma “entidade” que “faz” algo, então só nos resta rezar à esta entidade-história que faz o que quer conosco!!). Em certo sentido, postos em forma negativa (impossível pois, nem podem ser “postos” naquilo que são a única razão e nem podem ser negativos se são eles os criadores). Como observei em MLP I: “O segundo ponto para a crítica do marxismo – eu escrevia no início dos anos 80 (ele deve se achar muito inteligente!)– é o da nova dimensão que ganha a história com a invenção de novos meios de destruição.(não ganha, apenas a “história dos pensamentos vazios” é que muda!) (…) Não basta dizer, a este respeito, que em lugar de passar da pré-história à história, história que representaria a posição do homem, ficou-se na pré-história (ainda é impossível “viajar no tempo” e o capital não mudou com a invenção da bomba atômica). A história do século XX remete na realidade à posição do homem – mas à posição negativa do homem (mais uma vez, não faz sentido, como já vimos). Isto quer dizer que, em certo sentido, se passou à história, mas como advento não da vida genérica, mas da morte genérica, da destruição genérica (a “destruição genérica” ainda não aconteceu e a criação da sua possibilidade é uma invenção do pensamento das classes dominantes incapazes de formar história verdadeira). Passamos a alguma coisa que é ao mesmo tempo história e pré-história (mesmo que, pela física quântica, corpos, de tamanho mais ínfimo que o átomo, possam estar em dois lugares ao mesmo tempo, mesmo aí não é possível que eles ocupem dois “tempos” ao mesmo “tempo”!), história na pré-história. Talvez pudéssemos chamá-la de anti-história.(que seria anti-ser-humano e anti-natureza, que são as únicas razões da história, logo, a “anti-história” não pode existir pelo menos enquanto estivermos vivos!). Este tipo de observação segue em linhas gerais os caminhos do pensamento da escola de Frankfurt, talvez mesmo alguma formulação literal.(conhecendo as dificuldades linguísticas do autor e imaginando que ele tenha lido a Escola de Frankfurt também em alemão, suponho que há algum mal-entendido pois é difícil ver aonde a Escola de Frankfurt o daria razão nestes argumentos).

Para finalisar esta parte, acho que temos que olhar em Marx e ver que, quando ele escreve “pré-história”, ele se dá sempre ao cuidado de escrever “pré-história do capital”. Ruy Fausto porém, como muitos outros teóricos, comodamente escrevem somente “pré-história” e deixam o “do capital” de fora pois, se escrevessem o conceito por inteiro, teriam que escrever que, na sua “lógica”, vivemos em uma “pós-história do capital” que como análize da realidade atual é das mais medíocres que alguém pode escrever e que, qualquer leigo, conhecedor de Marx ou não, qualquer um que viva no mundo no qual vivemos hoje teria a completa capacidade de criticar e achá-la completamente absurda. Assim, estes “ideólogos” vão escrevendo sua ideologia pura que não leva em conta a realidade e a condição humana da maioria da população, vão escrevendo seus devaneios irreais baseados nos pensamentos deles mesmos, das classes dominantes da qual fazem parte, criando seus “pós” para tudo, criando suas, quem sabe, “pós-histórias do pensamento vazio” enquanto, para Marx, mais do que claro é que, o único “pós” possível, é um “pós-história do capital”!

Finalizando o Ruy Fausto:

Significa que não é mais possível nem rigoroso apenas pressupor a natureza e a espécie, porque ambas passaram a estar presentes enquanto tais na história.(já vimos que ambas não “passaram” a coisa alguma pois são as únicas constituintes da história) De algum modo esta posição é também positiva, no sentido de que também os efeitos benéficos se universalizaram numa escala superior.(a questão “benéfico” ou “maléfico” simplesmente não cabe ao termo “história”!) (A propośito da posição positiva da espécie seria o caso de assinalar que esta humanidade a ser posta (por quem?) deve (por que?) ser a humanidade dos homens e das mulheres). O Marx humanista de 1844 pensava em termos do homem e da mulher; mas quando ele abandona o humanismo (fácil falar, como muitos teóricos o fazem mas difícil provar já que, ao contrário da maioria dos filósofos, Marx escrevia com uma finalidade e, esta finalidade era e nunca deixou de ser, humanista!), seu universo, agora prometeano (e quem é “Zeus” neste universo?), torna-se ao mesmo tempo mais ou menos androcêntrico. (humanista talvez?) Mas essa universalização não se confunde com a que assinalaria a passagem ao Sujeito, tal como era pensada por Marx, em termos de fim da pré-história, e só representa propriamente uma mutação histórica (mais uma vez, a história não é um “ser” e a biogenética não a atinge) pelas suas conseqüências negativas.(quais?) É a possibilidade (classe dominante) de destruição de grandes massas humanas, senão da espécie humana, possibilidade (classe dominante) posta pelas novas técnicas de produção e destruição (classe dominante), que opera esta mutação (a classe dominante não faz a história, como já vimos). Esta atinge a meta-história (quantas histórias vivemos atualmente?) mais do que a história simplesmente: mas, precisamente, essa meta-história é agora posta (por quem?) como história. Ela passou a ser um “estrato” constitutivo do conjunto da história (a “meta-história” que não é “ser” algum pode ser constitutiva da história mas o Homem e a Natureza, razão única de existir história não são!? – Não faz sentido algum…). Digamos, primeiro pôs-se a história universal – “ela nem sempre existiu”, diz Marx nos Grundrisse – lá onde só havia histórias locais.

Aqui eu tenho que dar uma parada pois é um pouco demais. Primeiro é extremamente incorreto e pedante transformar as palavras de Marx desta forma com idéias opostas e sem nexo. A afirmação de Marx que “ela nem sempre existiu” não tem absolutamente nada a ver com a insinuação do autor que, porisso, a “história universal” “pôs-se”. Ela não “pôs-se” coisa alguma, não há “pôr” algum e não há ninguém para “pôr” a história e a história não pode se “pôr” a si mesma. E já bastam as inúmeras páginas de Marx para explicar para os filósofos alemães que “não é do céu para a terra” que as coisas se movimentam e sim “da terra para o céu” e, acho que Marx (e não só) explicou que não existe um “algo” maior, invisível, quem sabe uma “mão invisível” para este autor aqui também que, como “história universal”, “se coloque” em algum lugar. Para Marx é mais do que claro que tudo isto é impossível, a história não pode “se colocar ela mesma” pois ela precisa do Homem e da Natureza para existir e para ter “movimento”, para “fazer” o que quer que seja e, não há um “sujeito” para “colocar” a histŕoria em algum lugar que não seja o Homem ou a Natureza!

O que Marx coloca, e aí está mais uma completa contradição do Ruy Fausto, é que a história universal “nem sempre existiu” da mesma forma que Marx descreve que os “avanços tecnológicos” nem sempre existiram na história universal (“Weltgeschichte”) enquanto eles não chegaram a todos os cantos do mundo. Na verdade, o que existiu eram as histórias locais que “se tornaram” universais à medida em que foram “levadas” (eis o verbo correto, com um sujeito existente que é o Homem!) para todos os cantos do mundo.

Por estas e outras, é pura contradição e ignorância dizer que o perigo da destruição em massa “mudou a história” sendo que não faz parte, nem longinquamente da realidade da enorme maioria dos seres-humanos e, por outro lado usar exatamente o mesmo raciocínio de Marx para dizer que a história “pôs-se”! Quando interessa ao autor ele diz que as produções locais nunca são universais até que cheguem à consciência e realidade da maioria das pessoas, porém, quando é a “possibilidade de destruição em massa” que ele, por algum motivo qualquer da sua tentativa de lógica, quer dar um valor maior do que existe, ela já nasce “universal” capaz de mudar a história universal da noite para o dia sem apoio algum da maioria dos indivíduos do planeta? Caro autor, escolha qual o lado da sua lógica que você quer defender e a coloque para os dois lados pois, da forma que está, é completamente contraditório e ilógico!

Agora é como se a história universal pusesse a história da espécie, como o que passa a um novo registro histórico.”

Meu Deus! Sim, terei que começar com as forças divinas para conseguir terminar este texto pois só assim é possível explicar como o autor é capaz de transformar “a história” nesta entidade “divina” capaz de “pôr”, “se pôr”, fazer coisas, quem sabe mais quais as capacidades deste “ente” chamado de “história” pelo autor, que é “capaz” de ser o sujeito de tantas “orações” – no sentido que “orações” são frases com verbo na língua portuguesa mas também no sentido de que só podem ser “orações” religiosas do autor para sua “entidade-história”. Para Marx, através da história muitos elementos são transmitidos (übermittelt), “ATRAVÉS” da história! A história em sí não é o sujeito dela mesma, não pode ser!

E convenhamos, se o funcionamento de toda esta lógica do Ruy Fausto depende que “a história pôs-se” em algum lugar, e parece que depende, se, por algum motivo insano qualquer quisermos dar razão ao autor, então realmente só nos resta a religião! Se a história, ela mesmo “pôs-se” em algum lugar, isto quer dizer que ela tem este “poder”, este livre arbítrio e que, amanhã, ela poderá “pôr-se” em qualquer outro lugar, e nós, meros seres-humanos, para o autor “não constitutivos da história”, não podemos fazer nada, não poderemos nunca mais fazer nada! Assim sendo, pela lógica do Ruy Fausto, só nos resta rezar! Rezar para que a “magnânima história”, ente independente e, pelo visto, onipotente, não se “ponha” em lugares ou situações muito difíceis para nós, pobres mortais! E depois ele diz ainda que foi Marx quem abandonou o humanismo…

Se Fausto quer criar uma nova religião, que me parece a única lógica do seu discurso, então não tenho nada a criticar, cada um escolhe a religião que quer. Porém, se é para levá-lo a sério e tê-lo como “pensador”, “filósofo” e, ainda por cima “marxista” ou “marxiano”, então não posso deixar de descartá-lo completamente pois, em Marx (e não só!), não há base alguma para seu discurso e, a única coisa que resta é novamente o binômio “crença-capitalismo” no seu “melhor”, como pura ideologia.

e ainda tem a última frase do texto:

Os acontecimentos que se iniciaram com o 11 de Setembro de 2001 assinalam também à sua maneira esta passagem. Não dá mais, só se explica se o autor estiver sido bem pago pelo pentágono!”

Finalmente, pois também não agüento mais debater o que é tão irrisório e ilógico como exposição e idéia, sei que Ruy Fausto dividiu Marx em “o melhor marxismo” e o “pior” e, imagino que neste “bom e mal” haja um Marx com o qual ele concorda e outro que não. Dito isto, para desconstruir o autor fiz o possível para me ater o máximo possível aos textos que ele mesmo citou de Marx e àquilo que ele escreveu, para não correr o perigo de citar “algum Marx” com o qual o autor mesmo não concorde. Mesmo assim, não consegui achar nem no autor nem no seu livro “Marx: Lógica e Política”, nem a lógica nem a política que o autor quis criticar ou “renovar”, ou “descobrir” em Marx. Na verdade, não achei sentido algum naquilo que tenta expôr o autor, tanto no sentido intrínseco da sua lógica como em qualquer relação com a de Marx a não ser a grande vontade de distorcer palavras, idéias e textos para parecer um filósofo que tem algo a pensar mas, infelizmente, me parece que não tem.

Mas quem sabe… talvez a súper-mega-onipotente-entidade-História possa um dia “me colocar”ou “se colocar” em algum outro lugar!? Quem sabe…

Agulhas

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Ser feliz é provavelmente uma das tarefas mais fáceis de se conseguir! Porém, a vontade de ser infeliz, a culpa por poder ser feliz e o senso de ter que “trabalhar” para chegar a tanto nos invadem para nos dar o direito, tão desejado, de sermos infelizes. Se “feliz” fosse um verbo com certeza só existiria no futuro pois parecemos incapazes de conjugá-lo em qualquer presente. Há sempre os “se”e os “quando”: “se isto acontecer”, “se aquilo”, “quando isto”, “quando aquilo”… Nos entretantos vamos criando e, o pior, “inventando” afazeres (pois é infelizmente para isto que utilizamos nossa criatividade) e motivos para não parar e apreciar a felicidade que espera ao nosso lado, paciente talvez, mas não por muito tempo pois costumes se criam e, com o passar do tempo, fica cada vez mais difícil vencê-los. Triste… E sim, como diz Lacan, o amor está no vazio e eis aí nossa neurose: tentar sempre preencher o vazio para não parar, para não nos ver, para não nos achar, para não amar e não ser feliz. Quando nos apaixonamos, “esquecemos do mundo” e somos felizes e, à medida que vamos nos “lembrando” daquilo que achamos não poder deixar de lado, que socialmente nos foi imposto como regra e costume, os “tem que ser assim”, as “boas maneiras” e os “como tem que ser a vida”, vamos voltando à infelicidade. “Se achar” ou “achar a felicidade”, dizem muitos que é como achar uma agulha no palhero. E eis aí a boa analogia pois basta pisar ou passar a mão sem ter medo de ser espetado que logo se acha a dita-cuja. E sim, o que nos impossibilita a felicidade nada mais é do que o medo de sermos “espetados”, espetados pela verdade e realidade que nos abita! Felizes os que usam sua criatividade para inventar sua vida e sua forma de viver pois estes estarão sempre mais perto da felicidade. Felizes os que não tem medo de serem espetados…

Ziel

Sometimes we can see a reflection of architecture and the “culture” we live in… Today, “multitude” and “transparency” seems to be the mainstream idea that involve us in a certain kind of “plurality”, arguing tha we have so much choice, so much possibilities, so much “freedom”. But who said that all this gives us a better vision from where we are and what possibilities we have? Maybe what impregnate us with this impression of freedom is exactly what most shadows the meaning of what we search for and makes it so confusing to find the objective and the right goal (“Ziel”) we so much need. Maybe… But no matter what choices we have or which path we take, freedom can not be given, it must be conquered and embodied, and that is the choice no one can give us apart from ourselves, that is the first “Ziel” we should have in mind.

(alex alves tolkmitt) 

Photo

Forte me bate uma ânsia de fotografar, como quem quer extrapolar os detalhes do que vê e fazer “ficar” o que existe, fazer descobrir que existiu. Dizem que o mundo vai e a imagem fica, e eis outra tentativa tola de eternidade. Como existir na imagem se nunca estamos lá aonde vemos? Como caçar com os olhos este “eu”-“aqui”-“agora” que nunca podem estar “lá”, no que nos propõe o cognitivo, e sim bem “aqui”, dentro, privado, profundo. Levis-Strauss dizia que não há nada de real em uma foto pois o real está apenas naquilo que nela vemos. E eis a miséria do fotógrafo: tentar afirmar sua existência mostrando aonde não está, o que não é, seu lugar vazio.

Não há fotógrafos, apenas lembranças… Não há imagens, apenas vontades… Não há visão, apenas distração… Mas sim, há a procura do lugar, do seu lugar, do “meu” lugar, daquilo que “falta” no que se vê, na falta que existe no que somos: é no que falta que se completa a imagem! Mas me deixo, e sigo a ânsia, pois retroalimentam-se as lebranças que colorem qualquer imagem e as fotos que, de uns, são as lembranças de outros, cada qual com sua realidade, cada um com sua falta, cada lugar com seu vazio.

(alex alves tolkmitt) 

Cegueira

Ouvi dizer que “o amor é cego” e não achei motivos na cegueira. Vejo porém, e presencio, que cada qual a sua máscara, o seu véu, sua mentira e seu sintoma de sí próprio: sua defesa. De quem? De que? Dos paradigmas inconscientes ou não que vamos acumulando e, sem perceber, nos tomam conta ao ponto de chamarmo-los de “eu“. A auto hipocrisia nos invade… E aí vão os “costumes”… Práticos e profundos são os esconderijos que denominamos de “eu sou assim”. Mentira, medo e conveniência… Vi então que a cegueira vem do medo e nada tem a ver com um amor qualquer. Vi que fechamos os olhos ao que somos em pról das máscaras, do véu que nos cobre como defesa e esconderijo dos anseios que ainda não queremos descobrir e de outros que não sabemos nos livrar. Descobri então que o único caminho para chegar ao amor só pode vir de cegar-se às máscaras e conseguir ver “o nada”. O meu nada, o teu nada, o todo nada que está além da consensual mentira e das projeções sobre sí e sobre outros, sobre passados e futuros. Eis a dificuldade…  Lacan me dizia que projetamos o que nos falta na máscara de quem amamos para que este reflita o que nós achamos precisar, porém, que o real amor está além (au-delà) do véu que nos separa da verdade, lá (ou alí) num “objeto” que tem como “fundo” o “nada”, que é este o real “objeto” do amor: o nada! E sim, é preciso descobrir seu próprio “nada” e saber aceitá-lo para poder amar, o resto é cegueira…

(alex alves tolkmitt)

Porão

Desci para ver o que acontecia em baixo. O maquinário e o pequeno espaço que sei que é o que me cabe me refletiam como o destino irredutível: o lugar onde o lá e o aqui se encontram… Tentei me achar mas só ví coisas e espaços. Tentei achar espaços mas estavam todos preenchidos de história… Não sobrara então nada? E Sartre me sussurrava “O ser e o nada” (e sua pressuposta inevitabilidade de liberdade) mas o maquinário todo me ensurdecia o espírito. Resolvi subir sem o nada e sem o ser já que meu espaço não me cabia e, de cheio, me apertava, de cheiro, me sufocava. Descobri depois que Freud chamara meu porão de “es” e Lacan seu cheiro de “moi”. Resolvi juntar o alemão ao francês e formou-se uma pergunta (es-t-ce moi…?). E há de se ir muito ao porão para respostas…

(alex alves tolkmitt)